Na calçada da farmácia, esquina bem
movimentada, encontrei o Zezão, cabra forte, grandalhão, braçudo,
respeitado pela força bruta e o jeito truculento de andar. Vem ao longe,
e mesmo no escuro, fica fácil identificar a sua imagem
inconfundivelmente desajeitada. Paramos, e ele quase desmontou-me ao
apoiar uma das mãos no meu ombro, um peso da gota que eu suportei em
nome da boa amizade. É melhor tê-lo como amigo, bem melhor. Falamos de
um monte de coisas, falamos, falamos até
que chegou a hora da partida. De novo, ele colocou aquela mãozona no
meu ombro para a nos despedirmos, a começar pelo feliz natal e ano novo
que ele fez questão de invocar até a Virgem Maria, para emocionado
desarquivar inúmeros formulários prontos de boas festas. Vi em seus
olhos um profundo desconforto, assim que ele parou de falar, eu senti
aquela mãozona tremular em meu ombro e notei os seus olhos umedecidos.
Achei que fosse a nossa grande amizade que estivesse causando o choro, e
comecei a desejar as mesmas boas festas que ele me desejara até então. A
situação ficou tensa e percebi que peguei o atalho errado. Zezão não
conseguia ouvir o que eu lhe falava, e logo interrompeu-me para dizer
que o seu natal não seria bom porque era o primeiro depois de mais de 20
anos que ele passaria longe da ex-mulher e da filha. Que ele se
separara eu sabia, mas não sabia que essa espécie de fraqueza pudesse
atingir a um mastodonte daquele tamanho. Para mim, ele era inatingível
por essas sutilezas de que sofrem os fracotes como eu. Pude experimentar
bem de perto a sensação de ver um homem tão forte mostrar que o ser
humano não é só um monte de carne e ossos, mas uma entidade feita por
Deus, dotada de uma aura delicada que compõe a parte mais importante do
ser. Ela detém os sensores que medem temperatura da alma, a intensidade
das dores, produzem as lágrimas e produzem o choro ou o riso. O ser
humano tem o lado grotesco da sua matéria, mas se completa com a
delicadeza da sua alma.
Bom Natal e próspero ano novo, a todos os
fracos e fortes, e que o Papai Noel lhes traga, de presente, a paz, o
sossego e o sorriso.
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