domingo, 22 de novembro de 2015

CONSIDERAÇÕES SOBRE A SITUAÇÃO DO MORADOR DE RUA

Em uma daquelas andanças pela praça central, onde os idosos costumam estar nos papos diários e infindos, fui abordado por um senhor de barba branca aparadas, já conhecido de longa data, o Pedro, que interpelou-me para pedir que eu escrevesse um artigo sobre os “moradores de rua” que em épocas de temporada de verão costumam vir para Caraguatatuba   fazendo da praça central a sua casa, o seu ambiente diuturno e às vezes o seu banheiro. São geralmente pessoas aparentemente sadias, fortes, que não trabalham e passam o tempo todo abordando as pessoas pedindo dinheiro. Usam os bancos da praça como apoio para as garrafas de “pinga” que dividem até que, bêbados, ou dormem sobre os bancos, ou fazem gracejos, e, em muitos casos, se agridem em pleno ambiente público. Alguns, depois de embebedados se tornam extremamente inconvenientes.

O fato desagrada tanto aos moradores da cidade que se sentem invadidos por pessoas de maus hábitos, e estranhas à cidade, como pelos turistas que são abordados e, constrangidos acabam contribuindo quase que involuntariamente para o caos social ali instalado.
Alguns cidadãos mais românticos dizem que contra isso não se pode fazer nada porque já não é mais crime a tal da vadiagem que permitia prender pessoas que andavam pelas ruas sem documento e sem ocupação. Portanto, há quem entenda que esse espetáculo do ridículo que se instala na praça central de Caraguá estaria garantido pelo direito de ir e vir da constituição brasileira.
Sem querer ser do contra, mas sempre sendo, eu fui pesquisar o assunto e verifiquei que havia no Brasil uma lei federal de número 3.688 de 03 de outubro de 1941, editada em plena ditadura do Getúlio Vargas, regra conhecida como lei das contravenções penais, cujo artigo 59 tinha a seguinte redação:
” Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses.”
No ano de 2004, o ex-deputado federal e atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, propôs à Câmara dos Deputados a revogação do art. 59 da Lei de Contravenções Penais, propugnando pela extinção do tipo contravencional de vadiagem.
Tal proposta, o Projeto de Lei 4.668, foi aprovada pela Câmara dos Deputados no dia 8 de agosto de 2012 e encaminhada para votação no Senado a fim que seja expurgada de nosso ordenamento a possibilidade de se punir alguém pelo não exercício de atividade profissional.
A mesma medida já havia sido proposta em 2001, pelo deputado Marcos Rolim. Todavia, foi arquivada em 2003 com supedâneo no art. 105 do Regimento Interno da Câmara.
Na justificação para o pedido de revogação do art. 59 do Decreto-lei 3.668, Cardozo afirma ser injusta a punição àquele a quem a própria sociedade já condenou à miséria e à falta de condições. Ainda mais tendo a restrição da liberdade como pena à incidência nesse tipo penal.

A questão não se encerra ai porque a finalidade do artigo 59 era punir a todos que estivessem sem documentos e sem ocupação, quando encontrado transitando em via pública. Era mesmo injusta a abrangência que serviu para os governos totalitários exigirem que as pessoas permanecessem em casa e não nas ruas, por medo das organizações sociais.

Não é o mesmo quadro atual, onde se avistam pessoas sadias que não trabalham e nem se ocupam, mas que usam as praças como moradia, trazendo desconforto social em prejuízo do interesse geral.
Nesses casos específicos, há duas possibilidades de que sejam eles impedidos de fazer das ruas as suas casas. Primeiro é o caso do bem público de uso comum do povo, como são as ruas e praças que tem por objeto o trânsito livre de pessoas que precisam se locomover de um lugar para o outro, e as praças têm como finalidade o lazer e o deleite justos ao descanso das pessoas. Toda vez que um desses bens públicos precisa ser utilizado para fins particulares, como eventos religiosos, manifestações de quaisquer espécies, há necessidade de autorização do poder público. Morar, dormir, e permanecer nesses próprios dando a eles finalidades particulares, como a de morar na praça, é desvio de finalidade e neste caso deve prevalecer o interesse coletivo e não o particular.
Outro ponto que pode servir de suporte para se evitarem essas ocupações tidas por socialmente inconvenientes é o artigo 62 da mesma lei de contravenções, que não foi revogado e tem a seguinte redação:

“ Art. 62 - Apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia:

Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa.

Parágrafo único - Se habitual a embriaguez, o contraventor é internado em casa de custódia e tratamento.”

Este artigo segue vigente e serve exatamente para os casos de embriaguez coletiva ou individual, em local público como o caso da praça de Caraguá que abriga um enorme grupo de pessoas vindas de fora da cidade e que prejudicam a tranquilidade e bem estar dos outros se embebedando e incomodando os outros com abordagens nem sempre convenientes.
Assim, salvo melhor juízo, só não impede os abusos, claro somente os abusos, a falta de vontade de as autoridades fazerem o seu papel de vilão.
A lei de vadiagem que permitia prender qualquer pessoa, foi revogada em parte, para defender o direito de ir e vir dos cidadãos que transitam em condições normais, apenas sem documentos ou ocupação, mas continua a permitir que bêbados ou drogados inconvenientes possam ser até internados mediante a autorização dessa mesma lei.
É bom que se note que eu não externei aqui avaliações pessoais, mas, apenas fiz uma leitura dos dispositivos legais que existem para proteger a sociedade civil como um todo.
O que não se pode admitir é que a sociedade como um todo que não tem conseguido bons serviços de saúde, educação e segurança, tenha ainda que dispender altas somas com psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais e médicos, para pessoas que não querem ser normais, se é que há alguém normal, ou pelo menos viverem próximo da média do comportamento social praticado pela maioria.
Sem violência, mas que o assunto tem que ser tratado com firmeza não há dúvida e a cidade como um todo reclama da autoridade pública a solução do problema. 

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