O BRASIL BATEU NO MURO
DO LUCRO PELO LUCRO
À noite, antes de pegar no sono, eu tenho o hábito de ouvir
baixinho alguma rádio ou alguma matéria publicada no You Tube, já que o meu
rádio de cabeceira é conectado à internet. Naquela noite, eu sintonizei o vídeo
(só áudio) em que três importantes filósofos da atualidade brasileira, Leandro
Karnal, Luiz Felipe Pondé e Mário Sérgio Cortella estavam no programa Roda
Viva, e debatiam no âmbito da filosofia, temas de profunda significância.
Chamou-me a atenção a intervenção do Karnal que, ao analisar
a realidade política brasileira ponderou que os governos Fernando Henrique,
Lula e Dilma são os responsáveis diretos pela situação socioeconômica em que se
encontra o povo brasileiro, já que os três cometeram um equívoco básico nos
seus conceitos de governabilidade. Em todos os casos o brasileiro foi olhado
como consumidor, e não como cidadão, em um modelo econômico de pouca
consistência em se tratando de auto sustentabilidade, uma vez que somente os
fatores ligados à economia eram levados em conta nos projetos de governo, como
se tudo se resolvesse com a ideia de ter, possuir, disputar e conseguir. Esse
ambiente de consumismo exacerbadamente incentivado, gerou sonhos de consumo que
o brasileiro não consegue mais satisfazer. O cidadão aprendeu que ter dois
carros, celulares com acesso à internet para toda a família inclusive crianças,
consumir refrigerantes e sucos industrializados diariamente, pedir pizza pelo
telefone no jantar, usar roupas de marca, viajar de avião, era tudo conquista
dos governos “economicistas” de FHC, Lula e Dilma. Esqueceram de olhar o povo,
não somente como consumidor, mas como cidadão, daquele que tem consciência dos
limites do consumo e da necessidade de organizar a vida financeira dentro dos
limites do seu próprio poder aquisitivo. Para isso, teria que haver uma
evolução cultural e educacional para que o povo adquirisse a capacidade de
conviver com a nova realidade sem se endividar além dos limites ou sem adquirir
coisas além do necessário, numa forma de consumo consciente.
Não cuidou o governo de controlar com mãos de ferro a
escandalosa exploração dos bancos e cartões de crédito contra os cidadãos que
pagam até hoje, cerca 450% ao ano pelo dinheiro que utiliza desses
estabelecimentos que nada produzem e nada acrescentam ao bolo econômico.
O endividamento ainda foi incentivado com o tal “empréstimo
consignado”, um absurdo contra pensionistas e aposentados com o desconto
obrigatório das parcelas em seus salários, tendo como principais vítimas os
idosos, que sem capacidade de resistência, andam pagando prestações de motos e
celulares para um monte de netos e filhos folgados que querem viver vida de
rico sem trabalhar. Outra barbaridade foi a desoneração de impostos que o
governo Lula concedeu à indústria para incentivar o consumo sem que o estado
recebesse o que lhe era de direito, o imposto.
Deu no que deu e nós estamos convivendo com uma situação de
difícil controle no risco de ver tudo perdido e termos que começar de novo do
zero em matéria de economia. Economia é ciência exata com regras e limites que
não foram respeitados nos últimos tempos.
Segundo Freud e outros pensadores da psicanálise, a vida no
mundo econômico é feita de projetos e desejos, que geram sonhos que quando
realizados geram felicidade. Dizem eles que as doenças mentais e os distúrbios de
comportamento, são resultados de sonhos não realizados, já que uma vez gerado o
desejo do consumo de algum produto que nos chame a atenção, estará instalada na
mente da pessoa a vontade de comprar o seu objeto de desejo. Quando este desejo
não é realizado surge a frustração que gera a indignação, o sofrimento e daí as
doenças como depressão, ansiedade e outras formas de neuroses que perturbam a
pessoa. Tomados pela neurose, uns vão para a droga, outros vão roubar, outros
se fecham no quarto, uns choram, outros viram presos ou pacientes em hospitais
psiquiátricos e ainda há o chato que vive reclamando de tudo.
No sistema consumista, a desesperança irá certamente desorganizar
a sociedade podendo resultar no que se viu nas últimas semanas nos presídios do
Brasil, onde presos assassinam presos em massacres que chamam a atenção do
mundo, por briga pelo domínio do estado paralelo que a criminalidade organiza e
isso já ocorreu em inúmeros outros países onde o estado se omitiu, ou praticou políticas
equivocadas. Nascem assim as mentes doentias geradas pela infelicidade do sonho
não realizado.
Nós erramos ao achar que com um povo tão simples em matéria
de educação e cultura, pudéssemos ser “primeiro mundo”. Não existe país
evoluído com povo medíocre. Segundo Karnal na entrevista à Roda Viva, e por
mais que seja antipática a comparação, Cuba resolveu a educação de seu povo em três
anos, o que nós não conseguimos durante os últimos cinquenta anos.
A ciência no Brasil, deu a sua contribuição e inventou a urna
eletrônica que faz do nosso sistema eleitoral um dos melhores do mundo, mas a
qualidade do voto que é nela depositado é um desastre.
O certo é que o conservadorismo dessas políticas que só olham
para inflação, bolsa de valores, moedas, consumo e lucro, não vai resolver os
principais problemas desse povo pobre metido a rico que somos nós. Chega de
falarmos somente em inflação, moeda e aumento de produção, porque chegou a hora
de virarmos gente que pensa e que consegue se defender das armadilhas do
capitalismo selvagem e do lucro pelo lucro, e que vai conseguir votar em
políticos mais dignos.
João Lúcio Teixeira
Economista
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