A Câmara dos Deputados Federais
do Brasil, aprovou ontem uma medida que vai obrigar o governo federal a cumprir
sem discutir, as emendas orçamentárias visando obras nas regiões de cada
deputado ou senador. Até o momento, os legisladores podiam apresentar emendas
ao orçamento com indicações de obras, mas cabia ao poder executivo decidir
quando e como as emendas seriam atendidas. A partir dessa nova regra, as
emendas serão obrigatoriamente atendidas e cada deputado terá cerca de 16
milhões de reais para indicações de investimentos em seus respectivos colégios
eleitorais.
A medida tem caráter de
inconstitucionalidade porque todo o sistema político administrativo brasileiro
é calcado na independência entre os três poderes, o executivo, legislativo e
judiciário, cada qual com funções específicas, sendo o executivo o único que
tem poder sobre as verbas orçamentárias. Não é função de deputado autorizar ou
indicar obras ou mesmo qualquer atividade que invada o poder de controle
orçamentário que pertence exclusivamente ao poder executivo.
A própria constituição brasileira
proíbe o poder legislativo de legislar sobre matéria que verse sobre orçamento
criando despesas ou ordenando pagamentos. O legislativo, que é exercido pelos
deputados tem o dever de fiscalizar a correta aplicação do orçamento, no que diz
respeito a possíveis infrações político-administrativas praticadas no âmbito do
executivo. Os deputados, assim como os vereadores são órgãos de controle
externo do poder executivo que podem cassar governantes em caso de abuso de
poder ou desvio de finalidade.
A nova regra cria uma situação de
difícil explicação, porque os deputados passam a não apenas fiscalizar, mas a
gerir parte do orçamento público e isso é temerário porque perfaz invasão de
competência.
Não bastasse a evidente
inconstitucionalidade da medida, há outro ponto a ser considerado, que é a
atual situação de fraqueza do governo federal diante da rebeldia dos deputados
que elegeram uma mesa diretora da câmara claramente contrária ao governo
federal, o que também desrespeita o princípio do equilíbrio entre os poderes,
que devem conviver harmônicos mas independentes um do outro. As instituições
precisam de equilíbrio na sua atuação para que a conjuntura esteja em harmonia.
Se antes o poder executivo submetia o legislativo, agora estamos pecando pelo
outro lado, com um governo federal fraco e um poder legislativo forte, quando o
ideal seria que ambos estivessem em equilíbrio.
Rousseau quando escreveu em 1762
a sua obra prima denominada de “O Contrato Social”, e em seguida a obra
denominada de “Emílio”, foi execrado na
corte francesa cuja burguesia dominante não admitia que se tentasse reduzir os
poderes do rei que era absoluto, e teve as suas obras proibidas na França. O
Rei fazia e desfazia tudo que bem entendesse, tudo em nome de um governo
totalitário cuja importância e autoridade era concedida por Deus. Segundo o
entendimento à época, todo poder vinha de Deus e o Rei o exercia em nome de
Deus.
Rousseau desafiou a teoria do
absolutismo e pagou caro pela sua audácia filosófica, ao pregar em suas obras
que o poder era do povo e o rei deveria fazer o que o povo quisesse e não o que
ele decidisse.
O Brasil assiste agora uma
espécie de alteração profunda na correlação de forças entre os poderes
executivo e legislativo, o que pode ser bom ou pode ser ruim, segundo as formas
com que essas divergências sejam administradas. Se surgir um líder personalista
com poder de mobilização das massas, como foi Getúlio Vargas, Juscelino, Jango
e quiçá o Lula, e ele conseguir ser eleito presidente da república, certamente
haverá crise social e os resultados podem não ser os melhores, já que em alguns
casos isso resulta em ditaduras que dificilmente são derrubadas.
A realidade que se avista no
Brasil, indica para um rumo no mínimo estranho que retira do presidente grande
parte dos seus poderes e os entrega a uma câmara que não goza de credibilidade
para tanto. O maior perigo dessa desestabilização institucional é a falta de
credibilidade nas instituições e principalmente nos partidos políticos e nos
próprios políticos. O povo brasileiro está perto de se rebelar caso a situação
econômica, ou a inflação provoquem riscos que impliquem em desemprego ou
desabastecimento na mesa do cidadão.
A briga direta entre os poderes com
a câmara desafiando a presidente não é um bom sinal, já que os deputados
poderiam estabelecer uma regra de convivência que não fosse exatamente a de subjugar
a presidente Dilma aos caprichos de dirigentes partidários que estão mais interessados
no poder da presidente do que no progresso do Brasil. Isso é desafiar as
lideranças populares que ainda têm prestígio junto ao povo, como o Lula por
exemplo. O governo federal já está dizendo que vai às ruas buscar de volta o
seu prestígio popular e não está difícil de se conseguir personalizar o poder
em figuras emblemáticas e assim estabelecer-se um conflito entre poderes o que
pode ser muito grave. Não é difícil o Lula surgir respaldado pelo povo como a
grande liderança nacional e conseguir, como já tentou, implantar uma república
Bolivariana e ai, só Deus sabe o que vai acontecer com a democracia brasileira.
O desgaste do PT no poder já era
previsto, pela própria lógica escrita na nossa história, e a próxima eleição de
presidente certamente não será coisa fácil para o PT e todo mundo sabe disso. O
mais correto seria desgastar o governo e vencê-lo em 2018, mas nunca provocar
crise institucional que ninguém sabe onde vai desaguar. Somos mais de 200
milhões de pessoas que se perdermos de vez a fé no país, isso poderá virar uma
grande convulsão social de difícil controle. Melhor é ter juízo civil.
Os deputados não devem enfrentar
o governo, mas fazer uso inteligente de suas forças para equilibrar as ações em
respeito aos desígnios da nação que precisa de paz para seguir rumo ao futuro
que todos almejam. Uma pátria não é apenas uma causa, mas uma instituição soberana
que vai levar milhões de almas a um mundo melhor ou pior, segundo o juízo de
cada instituto.
O judiciário detém poderes para
restabelecer o equilíbrio institucional e é o que parece que vai acontecer, se
o procurador geral da república provocar a apreciação da matéria ontem
aprovada, que se considerada inconstitucional irá restabelecer parte do desequilíbrio
político administrativo do Brasil.
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