segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

ENTRE A CRUZ E A ESPADA - SOCIALISMO OU CAPITALISMO?

A derrota do presidente boliviano Evo Morales no plebiscito em que buscava o direito ao quarto mandato não foi exatamente uma surpesa. Depois de reeleger Evo pela segunda vez, em outubro de 2014, com uma votação avassaladora, seu partido, o MAS (Movimento Rumo ao Socialismo), já sofrera um baque nas eleições regionais de março do ano passado. Perdeu em oito das dez maiores prefeituras, até mesmo em seu bastião de El Alto. Venceu cinco dos nove governos estaduais, mas antes detinha sete – uma vitória ocorreu apenas depois de uma disputa judicial controversa. Na capital, La Paz, Evo também sofrera uma derrota expresiva. Agora, sua terceira reeleição naufragou no plebiscito, por 63,4% dos votos contra 36,6%.

O principal motivo para a reviravolta na popularidade de Evo é evidente: a crise na exportação de matérias-primas, que sustenta a economia boliviana desde que Evo assumiu o poder. Do pico de 41,3% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2012, as exportações, sobretudo de minério e gás natural, caíram para 27,2% no ano passado e deverão sofrer uma nova queda este ano, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI). Pela primeira vez em mais de dez anos,  por causa da queda nas exportacões, as contas externas bolivianas fecharam no vermelho no ano passado. Evo pode se considerar uma vítima da China.

Nos últimos dez anos, ele conseguira imprimir um ritmo impressionante à economia. O caso boliviano sempre foi considerado uma exceção entre os países que formam o eixo bolivariano na América Latina. Por trás da retórica socialista, do falatório em defesa dos povos indígenas e dos cocaleros e do crucifixo com a foice e o martelo entregue ao papa Francisco, Evo sempre foi um governante preocupado com os fundamentos da economia. A responsabilidade fiscal, mantida ao longo de seus governos, contribuiu para segurar a inflação entre 4% e 6%. O Estado boliviano também evita se intrometer nos pequenos empreendimentos informais, que florescem à sombra da lei e, por ironia, reduzem o desemprego e alimentam o crescimento econômico.

O resultado disso se traduz em números que se destacam na América Latina. “Beneficiando-se da explosão das commodities, a Bolívia alcançou um forte desempenho econômico e redução na pobreza”, afirma um relatório do FMI de dezembro passado. “O crescimento real do PIB ficou em torno de 5% desde 2006, e o percentual de pobres caiu 16 pontos percentuais.” Para este ano, a previsão é que o PIB ainda cresça 4,1%. A partir do ano que vem, contudo, deverá haver uma desaceleração para 3,5%. “O déficit fical deverá crescer e o balanço de pagamentos permanecerá no vermelho; ambos os déficits deverão permanecer no médio prazo”, diz o FMI.

Para os bolivarianos mais convictos, Evo nunca foi um revolucionário genuíno, como os venezuelanos Hugo Chávez ou Nicolás Maduro. Estava mais próximo da malandragem do nosso Luiz Inácio Lula da Silva, que dizia governar para os pobres, mas cuja prioridade eram os empresários próximos do governo.  “Evo tem sido um mestre, sem igual na América Latina, em justificar políticas ortodoxas e reacionárias com a retórica radical”, escreveu o sociólogo canadense James Petras, ligado a movimentos esquerdistas. “Em defesa da depredação extrativa capitalista, ele cita a deusa-mãe indígena Pachamama; em defesa da exploração do trabalho infantil, afirma que o trabalho inculca consciência social e contribui para a receita familiar (…). Fala em anti-imperialismo, mas abraça a ortodoxia econômica neoliberal. Descreve seu regime como um ‘governo de pobres e trabalhadores’, enquanto suas políticas econômicas e sociais favorecem os 10% mais ricos.”

O “socialismo neoliberal” de Evo funcionou enquanto ele manteve as contas públicas em ordem. Por causa do lado “liberal”, não do “socialista”. Mas, como o governo Lula, ele só conseguiu manter a austeridade enquanto o cenário externo foi favorável e lhe trouxe dólares em abundância. Com a desaceleração chinesa e a ameaça de recessão global, a Bolívia terá agora de enfrentar os mesmos desafios que o Brasil. Será mais difícil manter as mesmas políticas sociais num cenário fiscal apertado. O eleitorado parece enfim ter descoberto, depois de mais de dez anos, que o bolivarianismo, mesmo o bolivarianismo de tons liberais, tem limites – e Evo não é um nome à altura do novo desafio.

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