quinta-feira, 6 de março de 2014

A JUSTIÇA QUER ACABAR COM O EXCESSO DE EXECUÇÕES FISCAIS

FONTE: ESTADÃO
José Renato Nalini diz que Constituição ‘escancarou as portas da Justiça’ e que modelo ‘tutela e infantiliza a sociedade’.
por Fausto Macedo
“O Judiciário não deveria exercer o papel de cobrador de dívidas dos Estados e dos Municípios”, alerta José Renato Nalini, desembargador – presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Dos 20 milhões de processos em curso em São Paulo, 12 milhões – 60% – são execuções fiscais. Uma saída, na avaliação de Nalini, é o protesto no SERASA. “Continuo, na presidência, a estimular a utilização do protesto. O devedor terá mais receio de ser protestado e ser impedido de contratar, ver seu nome no SERASA do que saber-se réu numa execução que não tem andamento.”
O desabafo de Nalini se dá em meio a mais uma produção em série da Corte que ele governa. Em janeiro, o Tribunal de Justiça julgou 44.544 processos em 2.ª instância, com distribuição de 50.806 novos recursos.
Estão em andamento 603.831 recursos.
O presidente do maior tribunal do mundo, com 360 desembargadores, alerta para os riscos daquilo que chama de “Estado Babá”. “Ele tutela e infantiliza a sociedade.”
ESTADO: O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO JULGOU EM JANEIRO 44.544 PROCESSOS EM 2.ª INSTÂNCIA, COM DISTRIBUIÇÃO DE 50.806 NOVOS RECURSOS. NO RITMO QUE VAI A CORTE CONSEGUIRÁ, UM DIA, ZERAR A PAUTA? OU É UM SONHO INALCANÇÁVEL?
DESEMBARGADOR JOSÉ RENATO NALINI: Janeiro é um mês atípico. Só começamos no dia 7. Estávamos em recesso de 20 de dezembro a 6 de janeiro. É também o mês em que os pais de filhos escolares fruem suas férias. Embora este ano seja todo ele atípico – Copa & Eleições – nossa meta é a produtividade. O Conselho Superior da Magistratura tem cuidado do tema e estimulado as Seções de Direito Privado, Público e Criminal a formarem Câmaras Extraordinárias para se antecipar às metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Acredito que possamos superar esse acúmulo de recursos.
Para presidente do TJ-SP é necessário buscar alternativas à judicialização das disputas. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
ESTADO: ESTÃO EM ANDAMENTO 603.831 RECURSOS, SEM CONTABILIZAR OS RECURSOS INTERNOS NOS GABINETES DOS DESEMBARGADORES. O QUE EXPLICA ESSA MONTANHA DE AÇÕES?
NALINI: O Brasil tem 93 milhões de processos em andamento, 20 milhões só em São Paulo. Há duas leituras para isso: os otimistas acham que o volume é um verdadeiro ‘termômetro democrático’: a Constituição de 1988 foi a que mais acreditou no Judiciário e escancarou as portas da Justiça. Já os realistas, aqui me incluo, veem isso como sintoma de enfermidade. Não é possível que o Brasil seja o País mais beligerante do Planeta! Isso resulta da formação adversarial das Faculdades de Direito e se insere na concepção de ‘Estado Babá’, que tutela e infantiliza a sociedade. Precisamos trabalhar urgentemente para propiciar aos indivíduos condições de estabelecer um diálogo antes de ingressar em juízo. Não é apenas para aliviar o Judiciário. Os advogados têm de ser pacificadores, há um dever no Estatuto de Ética e Disciplina da OAB que impõe a obrigação de dissuadir o cliente de litigar e de priorizar a conciliação. Também é dever do advogado impedir que haja lides temerárias. O objetivo maior da disseminação das alternativas ao Judiciário é formar uma cidadania proativa, madura, capaz de exercer com autonomia a sua vontade. Só com isso teremos a implementação da Democracia participativa, que nunca surgirá se os indivíduos preferirem ser ‘objeto da vontade do Estado -juiz’ em lugar de serem verdadeiros ‘sujeitos de direito’.
ESTADO: GRANDE MASSA DE AÇÕES TEM ORIGEM NO PODER PÚBLICO, O EXECUTIVO COBRANDO DÍVIDAS DE CONTRIBUINTES, POR EXEMPLO. O JUDICIÁRIO, AFINAL, FAZ O PAPEL DE MERO COBRADOR DE DÍVIDAS? QUAL A SAÍDA?
NALINI: O Judiciário não deveria exercer o papel de cobrador de dívidas dos Estados e dos Municípios. Dos 20 milhões de processos em curso em São Paulo, 12 milhões, ou 60%, são execuções fiscais. Continuo, na presidência, a estimular a utilização do protesto. O devedor terá mais receio de ser protestado e ser impedido de contratar, ver seu nome no SERASA, etc., do que saber-se réu numa execução que não tem andamento. O Estado já avançou muito nessa política. Os municípios que a encetaram, como São Bernardo, por exemplo, têm ótimos resultados. Além disso, provocou-se o CNJ para discutir a desjudicialização das execuções fiscais. A audiência pública foi realizada nos dias 17 e 18 de fevereiro. Também estamos recomendando que as execuções em curso sejam remetidas ao CEJUSC, centros informais que estão funcionando a contento e que foram inspiração do CNJ, com a Resolução 125.
ESTADO: ESSAS MEDIDAS SÃO SUFICIENTES?
NALINI: Há outras frentes a serem encaradas: as ações de bancos, de concessionárias de serviços, etc. Os grandes clientes do Judiciário estão sendo convidados a repensar sua metodologia e parece existir perspectiva de enfrentamento por atacado dessas ações repetitivas que atravancam os tribunais. A Secretaria de Reforma do Judiciário também promoveu estudos sobre resolução extrajudicial de conflitos dos serviços regulados por agências governamentais. Há uma luz, ainda tímida, no fim do túnel…
NOTA NOSSA: O maior problema é o excesso de recursos que o poder público interpõe quando perde alguma ação, ou tem dificuldades no andamento do processo. Ao invés de aceitar a decisão que tenha aspecto de justa, acaba recorrendo para retardar o desfecho do processo que lhe seja desfavorável.

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