domingo, 8 de março de 2015

MATÉRIA PUBLICADA NO PORTAL YAHOO NOTÍCIAS

Em 1988, o PT elegeu Luiza Erundina para  Prefeitura de São Paulo com a ajuda de eleitores tucanos que não queriam ver Paulo Maluf no comando da maior cidade do País. Foi, nas palavras do jornalista João Batista Natali, em artigo publicado recentemente no Brasil Post, “a mais maciça operação de voto útil na história eleitoral do município”. Dez anos depois, os petistas retribuíram: com o apoio oficial de Marta Suplicy, os eleitores se uniram a Mário Covas (PSDB) para derrotar Maluf no segundo turno da disputa para governador de São Paulo. “A questão não era apenas ideológica, que levava à construção de uma coalizão oficiosa e anticonservadora. Era também moral. Maluf já era objeto de acusações que manchavam pesadamente sua imagem de homem público”, escreveu Natali. Naquele período, continua o autor, Maluf era a “baliza” fincada no território da direita. Contra ele os adversários que gravitavam no mesmo campo – do centro para a esquerda – se uniam.
A decadência da figura de Maluf como o homem realizador derrubou esta baliza em São Paulo, berço do PT e do PSDB. E jogaram as legendas na disputa por um eleitor que passaria a ser decisivo desde então. Este eleitor não queria um canteiro de obras. Queria um projeto de nação capaz de mitigar as consequências de um processo de desenvolvimento histórico concentrador e desigual. 
A briga no mesmo campo levou os partidos a caminhos diversos no plano nacional. Quando o PSDB governava o país, o PT foi para a ponta da esquerda – de onde dirigia impropérios contra a aliança conservadora de Fernando Henrique Cardoso. Quando o PT passou a governar, tucanos atravessaram a rua – e passaram a atrair, com um certo lacerdismo de ocasião, a simpatia de uma nova direita, construída no duvidoso discurso da meritocracia, do empreendedorismo pessoal, do anticoletivismo, da redução do papel do Estado da economia e do reforço da mão pesada do mesmo Estado contra os movimentos de base (a “Tropa de choque neles” de hoje é a “Rota na rua” de ontem).  
Há, no entanto, um detalhe nessa mudança de posição. Maluf perdeu o protagonismo político de outros tempos (já não figura nem em escândalos recentes nem em posto-chave da administração), mas não a influência. Assim como o PMDB, o seu Partido Progressista se tornou peça-chave da engenharia petista de governabilidade. Esta foi montada como meio para obter hegemonia no campo antes ocupado pelo PSDB. Nessa virada, o símbolo máximo do conservadorismo paulista dos anos 1980/90 passou a figurar sem embaraço em fotos que selavam a aliança entre o velho e o novo mundo político. Foi assim que Luiz Inácio Lula da Silva costurou o apoio de Paulo Maluf à campanha de Fernando Haddad para a prefeitura paulistana em 2012. O sorriso dos três na capa dos jornais não me deixa mentir.
A consequência dessa escolha já havia sido escrita no prefácio do “mensalão”, quando líderes do PP foram acusados e condenados no esquema de compra de apoio no Congresso em troca de cargos de confiança e recursos não-contabilizados. Nessa, Pedro Henry (PP-MT) se tornou uma espécie de figura onipresente.
Apesar da tormenta, o partido seguiu nas ondas governistas à medida que emplacava indicados no primeiro e segundo escalões. Quase dez anos após a denúncia, o partido reaparece com quase metade da bancada na Câmara arrolada nas suspeitas da Operação Java Jato. Entre os quadros com pedidos de investigação abertos está o ex-ministro das Cidades Mário Negromonte. Ganha uma autarquia quem souber responder um projeto do PP para o país.
Este é o posfácio de uma história que virou franquia. Em nome da mesma governabilidade, o Planalto patrocinou a criação de novos velhos partidos e trouxe para a baia neoaliados e ex-inimigos, como Gilberto Kassab e Katia Abreu. Não à toa, hoje é Marta Suplicy, a fiadora do voto anti-Maluf de ontem, quem anuncia a hora de partido – sem saber mesmo o rumo que irá tomar. Foi enquadrada como detratora no partido que ajudou a construir – enquanto os quadros confiáveis e pragmáticos hoje figuram na lista de investigados, como Antonio Palocci (PT-SP) e Gleisi Hoffmann (PT-PR).
Se a tragédia se repete como farsa, a lista de investigados do procurador-geral da República, Rodrigo Janot (foto), é uma ironia sem graça. Nela é possível encontrar as digitais de todas as escolhas políticas desde a reabertura democrática. Fernando Collor de Mello (PTB-AL), o ex-presidente ejetado que se tornou senador aliado, está lá. Lindberg Farias (PT-RJ), o ex-cara pintada que foi às ruas em 1992 contra o hoje aliado, também – segundo meu vizinho Charles Nisz, ele se tornou o Boyhood da história: acompanhamos seu crescimento até a chegada ao STF.
Praticamente todos os fiadores da governabilidade integram o elenco dos investigados. Renan Calheiros (PMDB-AL), o presidente do Senado mezzo aliado/mezzo opositor que já integrou a tropa de choque de Collor e o ministério de FHC, está lá. Eduardo Cunha (PMDB-RJ), eleito presidente da Câmara com o apoio da oposição, também. Todos devem responder à Justiça as suspeitas levantadas por lobistas, diretores da Petrobras e empreiteiros investigados sobre a suposta participação no esquema de propina, acesso a contratos públicos, contribuição para campanha e lavagem de dinheiro.  
Dizer que, uma vez no governo, o PT repetiu os métodos dos adversários para governar não minimiza em nada os erros do partido. Ao se afastar das origens, entre arroubos discursivos, cotoveladas dentro do próprio campo e concessões generosas às velhas forças, o partido sabia para onde ia. Mas seu protagonismo no escândalo da vez não evita uma conclusão: brigar para saber quem é mais ou menos corrupto não mudará em nada o vício de origem.
Para quem ainda acredita que o trunfo da história é um enredo entre mocinhos e bandidos, vale lembrar que o ex-governador de Minas Gerais Antonio Anastasia (PSDB), ex-futuro primeiro-ministro de um eventual governo Aécio Neves, também foi convocado. E que, não faz muit0 tempo, um ex-governador e ex-presidente da legenda teve de renunciar ao mandato na Câmara para não ser investigado no mesmo STF.
A lista de Janot é, portanto, uma demonstração clara de que o enredo é mais complexo do que supõe nossa velha passionalidade. Entre cotoveladas dentro do próprio campo, o próprio campo se tornou terreno minado e irreconhecível. A briga de foice lembra os versos do fluminense Chico Buarque ao rejeitar uma camisa rubro-negra dada de presente à sua filha pelo flamenguista Ciro Monteiro: “Nós separados nas arquibancadas temos sido tão chegados na desolação”. Esta desolação pede uma nova (velha?) baliza, mas ela parece soterrada em algum aterro do governismo de coalizão.

NOTA NOSSA: Copiamos e colamos este artigo porque ele reflete exatamente o que o Blog vem afirmando ha muito tempo.  Governar, não apenas criar um canteiro de obras de cimento, mas construir uma base de gerenciamento público que provoque o crescimento das pessoas e o aperfeiçoamento das instituições. Essa bagunça política que tem sido do Brasil, e nisso incluem-se principalmente as prefeituras e câmaras municipais, não vai levar o Brasileiro a um mundo melhor. Os detentores de cargos públicos precisam preocupar-se com a melhoria de cada cidadão, como ser humano, organizar a sociedade de forma eficaz, para que ela própria construa o seu futuro, sem precisar de mágicos que não fazem mágica a não ser a do enriquecimento ilícito. Fazer prédios, colocar mármore em muretas de praia não resolve o futuro do Brasil, que vai mudando de mão em mão e não evolui nos pontos mais importantes. Somos hoje uma sociedade pior do que éramos antes da ocupação militar, em matéria de sentimento coletivo, patriotismo e ideais de nacionalidade. É cada um pra si, numa terrível crise moral, fundada no egoismo do "eu sozinho".  O ideal de coletividade precisa ser mais importante do que os anseios pessoais de cada um. Se tivermos escolas públicas de qualidade não precisaremos pagar a particular que é cara, não precisaremos de convênios médicos se a saúde pública for eficiente e não precisaremos de seguros se a segurança nos proteger. A vida seria bem mais "barata" e simples.
Daí a pergunta: Derrubar a Dilma, gerar uma grande crise nacional, pra por o que no lugar? 

Nenhum comentário: